O futuro do trabalho tem raízes no propósito
O que o “futuro do trabalho” – que já é e se faz no presente – tem a ver com “propósito”? Bom, muito. Na verdade, o futuro do trabalho está enraizado no propósito. Pelo menos é isso o que afirmam especialistas como Heather McGowan, reconhecida estrategista de future of work, fazendo eco ao mantra “comece pelo porquê” de Simon Sinek.
Neste futuro, não podemos nos acomodar em tratar o ser humano como mais um tipo de tecnologia que precisa de atualizações automáticas de software. Afinal, somos muito mais complexos do que isso – temos emoções, pontos cegos, autopercepções. Em entrevista para a Forbes, onde também contribui como autora, Heather afirma que os seres humanos são otimizados quando estão engajados, e que o engajamento é mais bem sucedido quando se conecta à motivação interna do propósito.
É por isso que, segundo Heather:
“Precisamos começar com a identidade. Precisamos ajudar as pessoas a construir identidades resilientes e adaptáveis, fundamentadas e alimentadas por seu propósito, paixões e criatividade. As pessoas estão então melhor posicionadas para desenvolver as habilidades humanas únicas que são difíceis de automatizar (como colaboração, comunicação e inteligência social e emocional). Essas habilidades exclusivamente humanas são transferíveis de um trabalho para o outro. O futuro do trabalho deve começar com a identidade – e essa identidade deve estar enraizada no propósito”.
Heather McGowan, estrategista de futuro do trabalho
Organizações são feitas de pessoas, portanto, empregadores inteligentes responderão às suas crescentes demandas por mais propósito, tanto na vida pessoal quanto profissional (que são na verdade inseparáveis), oferecendo acordos de trabalho mais orientados para o mesmo – ou eles se verão incapazes de competir por talentos cada vez mais escassos, nas palavras da Gartner.
E quem deve ser – apesar de nunca sozinho, pois seria impossível – um mobilizador de pessoas nas organizações é ele(a), cujo futuro está diretamente atrelado ao do trabalho: o(a) profissional de Recursos Humanos (RH, Gestão de Pessoas ou como preferir chamar). Como aponta a McKinsey, essa área carrega um enorme potencial para ajudar a construir as “organizações do futuro”, preparando-as e impulsionando a transformação ao facilitar ou conduzir mudanças positivas em dimensões-chave.
E a dimensão central é justamente a identidade, que tem em seu cerne o propósito – qual é a principal razão de ser da sua organização, e onde ela pode ter um impacto único e positivo na sociedade? – e é acompanhada por valores e cultura. Nessa dimensão, o RH pode e deve ajudar a esclarecer o propósito ao iniciar por ele, sendo uma área vital para a garantia de que a organização está a vivê-lo de fato em seus processos, decisões e comportamentos cotidianos – não é por menos que a startup Asanify prevê, inspirando-se num artigo da Harvard Business Review, que um dos cargos de RH esperados para o futuro é o de “diretor(a) de planejamento do propósito”.
De fato, o propósito deixou de ser uma escolha para se tornar uma necessidade. De acordo com a McKinsey, as empresas que executam com propósito têm maiores probabilidades de criar uma significativa geração de valor a longo prazo, o que pode levar:
- a um desempenho financeiro mais forte;
- a um maior envolvimento dos funcionários;
- a uma maior confiança dos clientes.
Assim, segundo a mesma fonte, uma das perguntas que o RH pode se fazer para reforçar a identidade de uma organização é:
Como podemos desenvolver um propósito energizante que tenha um impacto tangível nas nossas escolhas estratégicas e nas nossas formas de trabalho?
Vamos então pegar agora o gancho da tangibilidade – porque, apesar de sua recente elevação na vida corporativa, o propósito continua sendo um tema abstrato ou confuso para algumas pessoas. Assim como a estratégia de uma organização, o propósito precisa ser claro, autêntico e coerente. Muitos dos desafios que as empresas enfrentam com ele vêm de uma falta de alinhamento entre a forma como se comportam e o que dizem representar – como ilustrado nos dados da pesquisa da McKinsey abaixo.
Segundo artigo da HBR, o propósito de uma organização pode ser baseado em uma causa, competência ou cultura. O que por sua vez não pode acontecer – embora ocorra com muita frequência – é que o propósito seja motivado por interesse próprio e oportunismo. Não o delegue, por exemplo, à equipe de marketing sozinha: o propósito deve estar incorporado na estratégia e nos comportamentos de toda a organização – nesse sentido, líderes devem dar e ser o exemplo –, e por isso deve se situar no cruzamento entre diferentes agendas, podendo assim contribuir, como exemplo:
- na geração de demanda, conquista de clientes e aumento de sua lealdade;
- na governança e sustentabilidade;
- na atração, retenção e engajamento de colaboradores(as);
- nas finanças, podendo orientar como os recursos são alocados e como os riscos são gerenciados.
O propósito deve ser testado, e o “teste final” é se ele melhora a maneira como a organização realmente opera. De acordo com o mesmo artigo da HBR (”What is the purpose of your purpose?”, que inicia a recente série de conteúdos “Making Purpose Real”):
“O pleno potencial do propósito só é alcançado quando está alinhado com a proposta de valor de uma empresa e cria aspirações compartilhadas tanto interna quanto externamente. No seu melhor, é o mecanismo mais poderoso para gerar a adesão de todas as partes interessadas. Se promulgado de forma deficiente ou manipulativa, produz o efeito oposto. Com tanto em jogo, acertar seu propósito deve ser uma de suas decisões mais urgentes”.
j. knowles, b. hunsaker, h. grove, a. james
E como, afinal, “acertar seu propósito” na prática? Segundo pesquisa de Ranjay Gulati (professor na Harvard Business School) realizada em grandes organizações públicas e privadas, a criação de valor a longo prazo e o impacto positivo significativo sobre o mundo, de forma estratégica e sustentável, envolve o uso do propósito como uma “estrela norteadora” para esclarecer prioridades e inspirar ações em situações que requerem contrapartidas.
Para o estudioso, organizações de “propósito profundo” – que, como ele observa, são minoria já que os usos mais comuns do propósito nas empresas são infelizmente mais superficiais, por conveniência ou até mesmo por disfarce – têm entre suas características:
- olhar além das soluções de curto prazo, com vantagens mútuas, para aquelas que são boas o suficiente para agora e prometem benefícios mais amplos no futuro;
- comprometer-se profundamente tanto com resultados comerciais positivos quanto com resultados sociais positivos;
- incorporar completamente seu propósito em sua estratégia, processos, comunicações, práticas de RH, tomada de decisões operacionais, cultura.
Em seu trabalho estudando e aconselhando organizações ao longo das últimas décadas, Ranjay revisou centenas de declarações de propósito e descobriu que as mais convincentes (e mais eficazes para orientar a tomada de decisões) apresentam dois aspectos básicos e inter-relacionados: elas traçam uma meta ambiciosa a longo prazo para a organização e elas dão a essa meta um caráter idealista, comprometendo-se com o cumprimento de deveres sociais mais amplos.
Lideranças de organizações de propósito profundo, assim, adotam uma mentalidade de “idealismo prático“: se imergem em seu propósito com intencionalidade e se desafiam constante e atenciosamente a servir os interesses dos diferentes stakeholders na maior medida possível – mas também reconhecem as restrições do sistema e a impossibilidade de conceber soluções perfeitas que beneficiem todas as partes igualmente o tempo todo.
Isso significa recusar sacrificar o progresso real, embora incompleto, em nome da perfeição e ser corajoso(a) o suficiente para tomar ações voltadas para o futuro estabelecendo acordos que podem causar dor parcial ou a curto prazo para alguns – como por exemplo, ser temporariamente o que Ranjay chama de organização “boa samaritana”, isto é, fazer bem ao mundo mas de início não necessariamente lucrar com isso, para colher os frutos depois –, mas que geram um equilíbrio de valor a longo prazo para todos. E a lógica por trás das decisões deve ser comunicada de forma explícita e transparente, para que as partes interessadas entendam como elas se conectam e apoiem o propósito.
Para isso, as organizações devem justamente fixar seu propósito como “estrela norteadora”, ou seja, utilizá-lo como ponto de partida para qualquer tomada de decisão – quer as lideranças estejam elaborando uma estratégia de longo prazo ou abordando questões táticas de pequena escala – e como fonte constante de clareza para escolhas ponderadas e sustentáveis, dobrando o arco do idealismo para acomodar os aspectos práticos dos negócios, e vice-versa, gerando assim um valor compartilhado mais amplamente – o que deve, é claro, incluir os(as) colaboradores(as).
Afinal, pouco vale se perguntar “como o mundo estaria pior se nós não existíssemos?” se o propósito da sua organização não potencializa o senso de autenticidade, coerência e engajamento a partir das experiências cotidianas dos(as) colaboradores(as) – além de clientes, parceiros e comunidades nas quais a empresa opera. De nada adianta, como bem ilustra a pesquisa da McKinsey, 85% das altas lideranças concordarem que conseguem viver seu propósito no dia a dia de trabalho, enquanto 85% dos colaboradores e gerentes de linha de frente discordam ou não têm certeza se conseguem o mesmo.
Do outro lado, é extremamente benéfico quando o propósito está realmente ativado por toda a organização de forma consistente e alinhado aos colaboradores pessoalmente, que por sua vez se tornam mais engajados e leais à organização em que atuam:
Sem um propósito profundo, é possível que não estejamos realmente preparados para o futuro do trabalho. É por isso, enfim, que a área de gestão de pessoas deve se esforçar, escutando, acompanhando, dialogando, mobilizando e trabalhando em conjunto com as pessoas da organização, independente de hierarquias, por um propósito que seja verdadeiro, que conecte as diferentes pessoas e faça sentido para todos na medida do possível – do micro ao macro, do presente ao futuro.
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