Psicóloga segurando o desenho de um cérebro para relacionar com saúde mental em tempos de crise

Cuidando da saúde mental e emocional do time em tempos de crise

Mesmo com a agenda cheia pela alta demanda nesse período, uma das maiores especialistas na área da saúde mental em situações emergenciais conseguiu encontrar espaço para compartilhar conosco seu vasto conhecimento sobre um tema tão necessário no momento.

A psicóloga Ana Maria Fonseca Zampieri é fundadora da F&Z, empresa de assessoria e desenvolvimento em Educação e Saúde nas áreas de Psicologia, Psiquiatria e Recursos Humanos.

Com atividade profissional intensa, Ana Maria é coordenadora do Programa de Ajuda Humanitária Psicológica (PAHP), ONG que há 10 anos trabalha em situações de emergência, como foi o caso do incêndio na boate Kiss em 2013 e, mais recentemente, o rompimento de barragem em Brumadinho no ano passado.

Fazendo pontes entre desabrigados de catástrofes e “superabrigados” da quarentena, aprendemos muito neste bate-papo em que Ana focou pela busca de equilíbrio.

Contexto: luto e exceção

Com ampla experiência no assunto, a psicóloga conta que, em períodos de crise, devemos tratar a saúde mental em estado de exceção, ou seja, estamos lidando com pessoas aparentemente “normais”, comuns, mas que estão em situações anormais.

Assim, sintomas que geralmente são considerados “anormais” não necessariamente continuarão a ser nessas situações excepcionais: segundo ela, a própria Organização Mundial da Saúde cita insônia, irritabilidade, pesadelos, transtornos alimentares, perda de esperança e aumento do uso de drogas – lícitas e ilícitas – como esperados.

Crianças podem apresentar atitudes mais regressivas, como voltar a dormir com os pais, fazer xixi na cama e ter episódios de choro – adultos também não estão livres deste último.

É fundamental que o contexto seja sempre levado em conta. “Vivemos muitos lutos, todos os dias”, conta.

Tendo trabalhado com situações de catástrofe em que corpos não foram encontrados, na pandemia e no isolamento isso se repete de alguma forma: “existem idosos e profissionais da saúde morrendo sozinhos, e até velórios online”, diz a profissional, que também afirma que o luto sem o corpo presente é mais difícil.

Relacionamento: gênero e colaboração

Seja em asilos temporários ou em nossas próprias casas como formas de recolhimento em situações de desastre ou durante a quarentena, o confinamento nos isola do mundo físico externo, mas não das outras pessoas com quem dividimos abrigo – pelo contrário, a estas somos expostos, fisicamente, a uma “superaproximação”.

Com isso, Ana Maria confirma que aumentam as violências físicas, psicológicas, sexuais e até as relacionados ao trabalho.

Sobem também as discussões e brigas por questões de gênero, intensificadas com a suspensão de aulas nas escolas e com a dispensa de babás e empregadas domésticas neste período.

Na China, muitos casais parecem não ter resistido à proximidade em tempo integral e os pedidos de divórcio aumentaram drasticamente.

“Os homens não exigem das mulheres duas jornadas, mas cinco”, coloca a psicóloga, que afirma que os homens devem ser treinados para uma vivência mais democrática – desde os níveis mais simples, mas ainda não ultrapassados em nossa cultura, como ajudar a lavar a louça ou limpar a casa.

Ana orienta para que haja um rodízio de responsabilidades – como exemplo, alternar funções: por x hora, uma pessoa trabalha enquanto a outra cuida dos filhos, na próxima x hora, trocam entre si, e assim vai.

A psicóloga também destaca a necessidade fundamental de um momento mínimo de privacidade para cada pessoa: morar junto não significa que temos de estar lado a lado o tempo todo. Também precisamos de nossos momentos sós.

Rotina: adaptação e conexão

É fato que o atual contexto facilita e intensifica nosso cansaço, nervosismo e irritabilidade. Um agravante, conta Ana Maria, é a falta de rotina, que desestabiliza nosso foco.

A profissional, que ajuda na elaboração, reconstrução e organização de rotinas de pessoas, casais e famílias em diferentes tipos e níveis de crise, inclusive catástrofes, lembra: “não são férias, e esse momento, por ser diferente, exige a construção de novas rotinas que se adaptem” .

Ela salienta a importância em estabelecer e seguir horários para as atividades do dia-a-dia: ter hora de acordar, hora das refeições, hora de trabalhar, hora de se exercitar, hora de dormir, entre outros.

Segundo a psicóloga, ter rotina ajuda a nos prepararmos, amenizando a ansiedade, além de contribuir para que nosso cérebro realize novas conexões consistentes entre o ambiente externo e o intrapsíquico. “O cérebro gosta de rotina quando passamos por uma crise”, afirma.

Emoções: reconhecimento e fortalecimento

Cuidando da saúde mental do time
É importante separar, reconhecer e nomear nossas emoções

Expert em gestão de equilíbrio emocional em empresas, famílias e outros tipos de grupos, Ana ressalta a importância de separar, reconhecer e nomear nossas emoções, principalmente aquelas que parecem menos identificáveis ou mais misturadas.

Existem sete emoções universais, isto é, independente da cultura: alegria, tristeza, raiva, medo, aversão, surpresa e desprezo.

De acordo com a psicóloga, cada uma delas tem uma função, e a mais importante talvez seja o medo: sendo uma forma de defesa, graças a ele sobrevivemos. As pessoas, ao sentirem medo, podem reagir atacando, paralisando ou fugindo.

Muitos camuflam seu medo expressando raiva e violência por achar que ter medo é para os fracos, mas ele existe em cada um de nós junto a emoções como tristeza e raiva, que precisam ser identificadas.

Sobre a tristeza, um ponto interessante que Ana reforça é que, antidepressivos não a resolvem, afinal, se trata de uma emoção humana que nos fortalece se enfrentada , e não de depressão, doença com diagnóstico que pode requerer medicamentos.

Ao reconhecermos nossos medos, temos de dar a eles o tamanho que de fato têm, assinala a psicóloga: se damos muito, podemos ficar fóbicos ou entrar em pânico; se damos pouco, podemos acabar não tomando os cuidados necessários para preservar a nós e os outros diante do vírus – tudo precisa de equilíbrio.

Autocuidado: autonomia e responsabilidade

Ana Maria comenta o quanto nossa cultura ainda depende do outro, usando a nossa própria saúde como exemplo: esquecemos, desaprendemos ou nunca soubemos nos cuidar, por isso a relevância da construção de uma cultura de autocuidado, que não dependa exclusivamente de especialidades médicas. A psicóloga cita seus quatro pilares:

  • Higiene do sono: para descansar o melhor possível, Ana desaconselha assistir notícias muito estressantes e comer muito e/ou comer comidas pesadas, como carne vermelha, no período da noite e antes de dormir, além de recomendar hábitos de higiene adequados e dormir com roupas confortáveis;
  • Alimentação saudável: “excesso de açúcar aumenta a ansiedade”;
  • Exercícios físicos: basicamente movimentar o corpo, sem necessidade alguma de academias. Uma ideia é subir e descer escadas se você vive em um prédio – claro, com o devido cuidado;
  • Contato com a espiritualidade: não é sinônimo de religião, trata-se do sentido da vida, seu propósito. Ana cita essa própria entrevista como exemplo disso: “A nossa responsabilidade é multiplicar esse conhecimento”, diz.

Considerando esses pontos, vemos a importância da autonomia e como a crise obriga a gente a se cuidar mais.

Ana aponta para a necessidade de desenvolvermos responsabilidades com nossas crianças e adolescentes, principalmente agora que passam mais tempo em casa.

Num país em que a classe média criou dependência tão grande de apoio terceirizado, pedir para os filhos colaborarem com a manutenção, organização e limpeza da casa é uma boa oportunidade para eles crescerem com mais autonomia, responsabilidade e independência.

A psicóloga encerra nosso incrível bate-papo lembrando de um ponto essencial: “nós, que trabalhamos cuidando de pessoas, precisamos nos cuidar ainda mais nesse momento”.

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Com atividade profissional intensa, Ana Maria é coordenadora do Programa de Ajuda Humanitária Psicológica (PAHP), ONG que há 10 anos trabalha em situações de emergência, como foi o caso do incêndio na boate Kiss em 2013 e, mais recentemente, o rompimento de barragem em Brumadinho no ano passado.

Fazendo pontes entre desabrigados de catástrofes e “superabrigados” da quarentena, aprendemos muito neste bate-papo em que Ana focou pela busca de equilíbrio.

Contexto: luto e exceção

Com ampla experiência no assunto, a psicóloga conta que, em períodos de crise, devemos tratar a saúde mental em estado de exceção, ou seja, estamos lidando com pessoas aparentemente “normais”, comuns, mas que estão em situações anormais.

Assim, sintomas que geralmente são considerados “anormais” não necessariamente continuarão a ser nessas situações excepcionais: segundo ela, a própria Organização Mundial da Saúde cita insônia, irritabilidade, pesadelos, transtornos alimentares, perda de esperança e aumento do uso de drogas – lícitas e ilícitas – como esperados.

Crianças podem apresentar atitudes mais regressivas, como voltar a dormir com os pais, fazer xixi na cama e ter episódios de choro – adultos também não estão livres deste último.

É fundamental que o contexto seja sempre levado em conta. “Vivemos muitos lutos, todos os dias”, conta.

Tendo trabalhado com situações de catástrofe em que corpos não foram encontrados, na pandemia e no isolamento isso se repete de alguma forma: “existem idosos e profissionais da saúde morrendo sozinhos, e até velórios online”, diz a profissional, que também afirma que o luto sem o corpo presente é mais difícil.

Relacionamento: gênero e colaboração

Seja em asilos temporários ou em nossas próprias casas como formas de recolhimento em situações de desastre ou durante a quarentena, o confinamento nos isola do mundo físico externo, mas não das outras pessoas com quem dividimos abrigo – pelo contrário, a estas somos expostos, fisicamente, a uma “superaproximação”.

Com isso, Ana Maria confirma que aumentam as violências físicas, psicológicas, sexuais e até as relacionados ao trabalho.

Sobem também as discussões e brigas por questões de gênero, intensificadas com a suspensão de aulas nas escolas e com a dispensa de babás e empregadas domésticas neste período.

Na China, muitos casais parecem não ter resistido à proximidade em tempo integral e os pedidos de divórcio aumentaram drasticamente.

“Os homens não exigem das mulheres duas jornadas, mas cinco”, coloca a psicóloga, que afirma que os homens devem ser treinados para uma vivência mais democrática – desde os níveis mais simples, mas ainda não ultrapassados em nossa cultura, como ajudar a lavar a louça ou limpar a casa.

Ana orienta para que haja um rodízio de responsabilidades – como exemplo, alternar funções: por x hora, uma pessoa trabalha enquanto a outra cuida dos filhos, na próxima x hora, trocam entre si, e assim vai.

A psicóloga também destaca a necessidade fundamental de um momento mínimo de privacidade para cada pessoa: morar junto não significa que temos de estar lado a lado o tempo todo. Também precisamos de nossos momentos sós.

Rotina: adaptação e conexão

É fato que o atual contexto facilita e intensifica nosso cansaço, nervosismo e irritabilidade. Um agravante, conta Ana Maria, é a falta de rotina, que desestabiliza nosso foco.

A profissional, que ajuda na elaboração, reconstrução e organização de rotinas de pessoas, casais e famílias em diferentes tipos e níveis de crise, inclusive catástrofes, lembra: “não são férias, e esse momento, por ser diferente, exige a construção de novas rotinas que se adaptem” .

Ela salienta a importância em estabelecer e seguir horários para as atividades do dia-a-dia: ter hora de acordar, hora das refeições, hora de trabalhar, hora de se exercitar, hora de dormir, entre outros.

Segundo a psicóloga, ter rotina ajuda a nos prepararmos, amenizando a ansiedade, além de contribuir para que nosso cérebro realize novas conexões consistentes entre o ambiente externo e o intrapsíquico. “O cérebro gosta de rotina quando passamos por uma crise”, afirma.

Emoções: reconhecimento e fortalecimento

Cuidando da saúde mental do time
É importante separar, reconhecer e nomear nossas emoções

Expert em gestão de equilíbrio emocional em empresas, famílias e outros tipos de grupos, Ana ressalta a importância de separar, reconhecer e nomear nossas emoções, principalmente aquelas que parecem menos identificáveis ou mais misturadas.

Existem sete emoções universais, isto é, independente da cultura: alegria, tristeza, raiva, medo, aversão, surpresa e desprezo.

De acordo com a psicóloga, cada uma delas tem uma função, e a mais importante talvez seja o medo: sendo uma forma de defesa, graças a ele sobrevivemos. As pessoas, ao sentirem medo, podem reagir atacando, paralisando ou fugindo.

Muitos camuflam seu medo expressando raiva e violência por achar que ter medo é para os fracos, mas ele existe em cada um de nós junto a emoções como tristeza e raiva, que precisam ser identificadas.

Sobre a tristeza, um ponto interessante que Ana reforça é que, antidepressivos não a resolvem, afinal, se trata de uma emoção humana que nos fortalece se enfrentada , e não de depressão, doença com diagnóstico que pode requerer medicamentos.

Ao reconhecermos nossos medos, temos de dar a eles o tamanho que de fato têm, assinala a psicóloga: se damos muito, podemos ficar fóbicos ou entrar em pânico; se damos pouco, podemos acabar não tomando os cuidados necessários para preservar a nós e os outros diante do vírus – tudo precisa de equilíbrio.

Autocuidado: autonomia e responsabilidade

Ana Maria comenta o quanto nossa cultura ainda depende do outro, usando a nossa própria saúde como exemplo: esquecemos, desaprendemos ou nunca soubemos nos cuidar, por isso a relevância da construção de uma cultura de autocuidado, que não dependa exclusivamente de especialidades médicas. A psicóloga cita seus quatro pilares:

  • Higiene do sono: para descansar o melhor possível, Ana desaconselha assistir notícias muito estressantes e comer muito e/ou comer comidas pesadas, como carne vermelha, no período da noite e antes de dormir, além de recomendar hábitos de higiene adequados e dormir com roupas confortáveis;
  • Alimentação saudável: “excesso de açúcar aumenta a ansiedade”;
  • Exercícios físicos: basicamente movimentar o corpo, sem necessidade alguma de academias. Uma ideia é subir e descer escadas se você vive em um prédio – claro, com o devido cuidado;
  • Contato com a espiritualidade: não é sinônimo de religião, trata-se do sentido da vida, seu propósito. Ana cita essa própria entrevista como exemplo disso: “A nossa responsabilidade é multiplicar esse conhecimento”, diz.

Considerando esses pontos, vemos a importância da autonomia e como a crise obriga a gente a se cuidar mais.

Ana aponta para a necessidade de desenvolvermos responsabilidades com nossas crianças e adolescentes, principalmente agora que passam mais tempo em casa.

Num país em que a classe média criou dependência tão grande de apoio terceirizado, pedir para os filhos colaborarem com a manutenção, organização e limpeza da casa é uma boa oportunidade para eles crescerem com mais autonomia, responsabilidade e independência.

A psicóloga encerra nosso incrível bate-papo lembrando de um ponto essencial: “nós, que trabalhamos cuidando de pessoas, precisamos nos cuidar ainda mais nesse momento”.