Dia: 8 de outubro de 2021

Como líderes das áreas da Saúde, Gestão de Pessoas e Desenvolvimento Profissional estão lidando com a crise: um guia de insights

Como líderes das áreas da Saúde, Gestão de Pessoas e Desenvolvimento Profissional estão lidando com a crise: um guia de insights

Como líderes das áreas da Saúde, Gestão de Pessoas e Desenvolvimento Profissional estão lidando com a crise: um guia de insights

Como liderar não só durante a atual pandemia, mas em tempos de crise no geral? Para debater esse importante tema, realizamos no final do mês de abril o webinar “Os desafios da liderança em momentos de crise e incertezas” – se você perdeu, não tem problema: ele continuará disponível na íntegra aqui.

Com mediação por Renata Betti, jornalista e co-founder da Talent Academy, participaram do nosso evento-online líderes de diferentes áreas: na da Saúde, o médico paliativista Daniel Forte do Hospital Sírio-Libanês, na de Gestão de Pessoas, a dupla Carla Barone (ex-Grow e 99) & Daniela Bruzzi (ex-Loft e 99) e na de Desenvolvimento de Líderes, o expert Persio Cordeiro da Pro Humana.

Os aprendizados que extraímos do nosso primeiro webinar não foram poucos! Vamos conferir juntos essas grandes lições?

Daniel Forte, coordenador do Programa de Cuidados Paliativos do Hospital Sírio-Libanês, foi o primeiro a responder questões.

Com a roupa de trabalho, encontrou uma brecha em sua conturbada agenda e nos deu a honra de conversar com um especialista da linha de frente em plena pandemia.

Para o líder em saúde, tudo parte da relação médico-paciente, descrita por ele como muito potente, rica e fonte de aprendizado possível de ser extrapolada para praticamente todas as esferas conhecidas, como a da liderança – inclusive liderança de um grande número de pessoas, equipes ou instituições.

Muito do que acontece na relação médico-paciente, afirma Daniel, é aplicável em larga escala. Nos chamou atenção para dois pontos em especial a ver com essa relação, que acredita que são as bases para a liderança:

A liderança começa com o autoconhecimento…

…inclusive do nosso lado sombrio: dos nossos medos, das nossas impotências, das nossas insuficiências. Não ter essa consciência inviabiliza nossa capacidade de se conectar e de estar presente com as outras pessoas, sendo isso necessário para liderar.

É importante termos a coragem de encarar nossos medos e saber que não somos bons, competentes em tudo e não precisamos ser; ter clareza de nossos pontos fracos, limitações, e não há porque ter vergonha: são características de cada um de nós como sujeitos.

Seja transparente com seu time independente da situação

É preciso ser transparente nas relações, inclusive com o que não sabemos, com o que não temos controle, com as incertezas, com os riscos, com as más notícias. Quando abrimos o jogo, o medo diminui, a ansiedade diminui, a depressão diminui. Esconder a verdade não “poupa”, apenas gera uma desconfiança prejudicial para a liderança.

Daniel, que tem grande interesse em estudar primatas por suas semelhanças com os seres humanos, nos compara a eles em relação ao liderar:

A partir disso e de novas questões do público, o debate se desenrolou…

Dani Bruzzi diz que é a primeira vez que escuta de um líder que o autoconhecimento vem primeiro, inclusive do nosso “pior” lado. Muitas vezes, na verdade, o incentivado é justamente o contrário: focar em tudo que fazemos de bom, no que nos orgulha. Isso também é muito importante, mas não podemos nos esconder atrás do que enxergamos como “sombra”.

Se todos os líderes tivessem a humildade de seguir isso, o que enxergamos hoje na liderança realmente se transformaria.

Dani Bruzzi

O que nos parece óbvio, nem sempre é para os outros

…então as pessoas precisam escutar: quem está no papel de líder deve se expor e ter conversas com seu time, priorizando a humanização, entender que antes da meta cada membro é uma pessoa – quais são seus receios, problemas, contexto em que vive?

Expresse sua vulnerabilidade para gerar confiança

Persio indica que, ao se colocar como um ser vulnerável, o líder transmite para o time a mensagem de que líderes não são “heróis” ou “salvadores da pátria”, mas também pessoas, “gente como a gente”, o que gera e fortalece a conexão entre as pessoas, favorecendo relações de confiança. Mostre que você acredita e tem interesse nelas.

Um time só é um time caso exista esse tipo de relação, pois é isto o que liga as pessoas – senão, se trata simplesmente de um monte de gente trabalhando junto!

Se você encontra um propósito, é capaz de encarar tudo

Para Daniel, nossa conexão com o propósito ajuda, mas só depois que se consegue construir sua base. Saber lidar com o luto – tema sobre o qual a Psicologia deu e dá enormes contribuições – colabora com essa jornada.

O luto não é necessariamente a perda de alguém pela morte, mas sim qualquer perda significativa. Sua marca é a ambivalência: oscilar entre dois pólos é saudável, o que disfuncional é ficar preso a só um. Não elaboramos um luto se fugimos dos nossos medos.

Renata enxerga a semelhança do que Daniel trouxe no business: na Talent Academy buscamos justamente fazer essa conexão: com o propósito. Independente do setor, uma vez que a pessoa o encontra, ela é capaz de enfrentar os medos e lidar com os lutos diários.

A base do nosso trabalho na Talent é a Psicologia, a ciência que estuda o ser humano em todas as suas facetas, e tudo o que Daniel traz, como vemos, tem também forte relação e embasamento na área.

Daniel afirma que trabalha muito perto de psicólogas(os) e lhes é muito grato por todo o aprendizado.

Ele acredita que especialmente em equipes de cuidados paliativos o suporte psicológico faz muita diferença. No Sírio-Libanês, cita ter o suporte de Mia, psicóloga que “é quase uma mãe da nossa equipe” e que ensinou muito das coisas que ele traz.

A equipe de cuidados paliativos no Sírio-Libanês começou em 2008, apenas com Daniel e a enfermeira Valéria, sua maior parceira no hospital até hoje.

O Brasil não tem muita tradição na área de cuidado paliativos, é algo relativamente novo por aqui. Foi um começo difícil, conta, mas tiveram o apoio de Mia, e desde o início tiveram um suporte psicológico de qualidade que persiste até hoje.

Nesse suporte, não discutem o caso em si, “a gente discute a gente no caso. Não a estratégia, discutimos nós mesmos como time, então é um ótimo lugar pra lavar roupa suja.

Como equipe, é essencial que as pessoas tenham um espaço protegido para conseguir discordar” – para conseguir falar “olha, eu não gostei daquilo que você fez, não concordo com esse plano”, exemplifica.

Como líder, ele já teve discordâncias com quase todos da equipe, e afirma dizer isso com orgulho, pois nenhuma vez essas discordâncias “passaram em branco”. Se houver um facilitador para as relações da equipe, como faz a psicóloga Mia, é possível chegar mais rápido aos objetivos.

Mudanças levam tempo, priorize a comunicação

Mesmo em ambientes de trabalho inconstantes e dinâmicos como as startups, a comunicação de mudanças importantes – como as relacionadas à atual crise – precisam de tempo para serem montadas, planejadas e desdobradas.

Às vezes precisamos fazer escolhas em onde colocamos mais energia, e se esse for o caso, Dani indica que seja na área de comunicação, pois se nisso erramos, não há volta. Se comunicamos algo de forma ansiosa e insegura, a “bola de neve” que isso vai gerar será prejudicial, podendo afetar a moral e reputação das pessoas e da empresa, quebrando eventualmente a confiança.

Em ambientes como startups, às vezes o luto é a mudança em si. Temos dificuldade de lidar com mudanças, porque sempre estaremos abrindo mão de alguma coisa. Dani compartilhou conosco os estágios de mudança do ser humano:

  1. Negação [de que uma mudança seja necessária]
  2. Resistência [à mudança]
  3. Exploração [ter consciência da necessidade da mudança e desejo de botá-la em prática, mas alto receio dos impasses e possíveis falhas e por isso muito planejamento]. Nas startups, muitas vezes gastamos energia desnecessária com esse estágio, pois muitas coisas estão fora do nosso controle e são de fato imprevisíveis.
  4. Depois dessa exploração, é preciso focar no que conseguimos controlar: vem o estágio do comprometimento, e disso a prática em si. Nas startups, muitas vezes todos os estágios desse processo ocorrem em menos de uma semana, pois é um ambiente em que é incentivado que as coisas aconteçam muito rápido.

O líder precisa ter sensibilidade quanto ao tempo que as pessoas levam para passar por tal processo e saber quando é momento de ouvir, e não falar.

Pratique o diálogo desde o início

Carla nos conta que se você cria desde o início das relações uma cultura de diálogo e abertura, é mais fácil que haja conexão com o time em momentos difíceis, e de forma mais sincera.

Demonstre sempre que possível as incertezas pelas quais a empresa está passando e não deixe se tornar uma “surpresa”. Quando já sentir que algo vai acontecer, puxar esse gancho e reforçar a união e transparência.

Segurança psicológica é essencial para o sucesso

Persio cita este estudo da Google para apontar a segurança psicológica como fator essencial no sucesso das equipes, consistindo na habilidade do líder construir um ambiente onde as pessoas tenham uma verdadeira liberdade de se expressar, o que é fundamental para que hajam trocas construtivas de diversos tipos.

Uma comunicação honesta e de qualidade é ainda mais importante em momentos de crise, pois quando ela ocorre há menos espaço para fake news, suposições e hipóteses, que vem da desinformação e podem gerar uma série de problemas e confusões nas relações.

Renata Betti, nossa mediadora, pergunta: “Embora todos aqui reforcemos a importância da psicologia, da humanização e da segurança psicológica, acredito que muitos líderes do mundo corporativo, muitas vezes bastante pragmáticos, não tem ainda conhecimento ou contato com ‘o lado mais humano’. Como despertar isso em pessoas com esses perfis?”

“Talvez agora essa situação obrigue os líderes, “na marra”, a aprender a desenvolver esse ‘lado mais humano’.”

Estude cases que deram errado para não repetir

Daniela nos a deu a ótima dica de que podemos convencer tais líderes trazendo cases na história das empresas que são bem claros em apontar onde não houve o olhar e cuidado com as pessoas e como isso foi extremamente prejudicial. Estamos aprendendo com os erros dos outros founders e demais líderes. O capital intelectual existe nas pessoas: não podemos “roubar” isso de alguém.

O que nos move é compartilhar um mesmo valor

Daniel nos recorda que ser “humano” não é necessariamente algo positivo; podemos falar, talvez, em valores humanistas.

Traz novamente semelhanças – mas também diferenças – que temos com os primatas. Ressalta a importância da existência de times formados por pessoas com perfis variados: o que nos une é usar nossas diferentes características a serviço de um valor em comum. Quando uma instituição tem um valor muito claro, as pessoas podem se reunir em torno deste, facilitando muito a discussão.

Em seu próprio time nuclear de cuidados paliativos, cada um tem uma personalidade distinta, que se complementa pois há diálogo e reconhecimento das características positivas e negativas de cada um, sem ter vergonha de conversar a respeito. 

Um líder deve inspirar

A fórmula do sucesso talvez seja justamente pessoas com perfis complementares trabalhando juntas com um driver em comum ou buscando causar o mesmo impacto. Aqui no blog, temos um artigo sobre o tema: Como usar sua personalidade para melhorar as relações no trabalho.

Um líder que não tem a mesma realidade do seu time e não consegue se colocar no lugar dos outros, principalmente em tempos como esse, onde, por exemplo, há pessoas tendo que conciliar cuidados dos filhos ou não têm a infraestrutura necessária para trabalhar em casa, dificilmente conseguirá construir essa confiança tão fundamental, já que não se sentirão compreendidas pela liderança. No fundo, a questão é garantir a confiança e inspirar.

Reconheça o tipo de líder que você é para realizar ajustes

Persio aponta que é fundamental que um líder reconheça qual o seu tipo de liderança para que se faça boas escolhas na hora de interagir e se comunicar com as pessoas e para que se utilize o que lhe já é natural a seu favor.

É importante também observar suas limitações para desenvolver um outro tipo de olhar sem precisar deixar de ser quem você é, aproveitando oportunidades para realizar esses ajustes em sua abordagem para que se tenha melhores resultados. Se desenvolver muitas vezes é isso.

Mesmo que você reconheça que “pessoas” não sejam seu ponto forte, é necessário olhar para elas.

Use e estimule a criatividade para descontrair

Carla mostra que coisas muito simples que podem gerar um impacto muito grande: exemplo, intercalar conversas one-on-one focadas em metas com conversas sobre a vida, trazendo mais desse lado pessoal e minimizando o caráter rotineiro de entrega, alivia as relações e contribui para criar conexões mais profundas.

Happy hours online também são ótimas pedidas por não demandarem apenas organização – e ainda, a iniciativa não precisa vir do setor de RH, mas de qualquer pessoa de uma organização, seja líder ou liderado. Estamos fisicamente separados, mas muitas ideias possíveis podem ser colocadas em prática para trazer mais leveza a essa fase.

A empresa precisa fomentar momentos de descontração e descompressão, já que estamos com rotinas de estresse e preocupação. Isso ajuda a motivar as pessoas.

Dê mais autonomia e espaço ao seu time

Recomendamos também um artigo exclusivo que temos aqui no blog com o Persio: 7 lições para liderar a distância (agora e sempre).

Tenha responsabilidade pelo seu time garantindo o que ele precisa

Independente do tipo de líder e acima de tudo, é preciso mostrar que você se importa com seu time, por exemplo: proporcionar uma cadeira apropriada para trabalhar caso uma pessoa não tenha uma, como conseguimos fazer com alguns membros do nosso time.

Se o líder reconhece as condições de suas pessoas, ele reconhece quando precisam de ajuda e de suas características como líder. Afinal de contas, o líder é responsável pelo seu time, portanto o seu papel é de garantir, ter certeza que as pessoas tenham o mínimo para trabalhar, estão bem e conseguindo lidar com esse momento difícil. Temos de manter mesmo nesse momento uma certa estabilidade e harmonia entre as pessoas na medida do possível.

Se as pessoas sentem que não são importantes nesse momento e que são apenas um número na empresa, ainda mais estando distante fisicamente, isso esfria a relação e conexão. O papel do líder será muitas vezes manter as pessoas próximas e engajadas no negócio mesmo estando em diferentes lugares.

Agora, sobre ser mulher e líder: seus desafios, fora e dentro da crise

A potência e a coragem no cuidado e na sensibilidade

Para Daniela, a empatia e a sensibilidade que são frequentemente mais associadas à uma ideia de “lado feminino” na realidade existem dentro de toda mulher e de todo homem – e isso precisa ser reforçado de forma mais potente, ainda mais linkado com a coragem que também habita com força em toda mulher.

Há muita coisa que nós, mulheres, podemos trazer para a tomada de decisão por termos um olhar diferente de como se comunica, de como se engaja, de como se gera confiança, o que realmente faz muita diferença na liderança de uma organização, especialmente em momentos como esse.

Carla complementou trazendo uma experiência real pela qual acabou virando referência para algumas pessoas que compartilharam entender a pressão que ela sofreu na gestão ao precisar se impor perante uma situação ou problema:

“É estressante para a mulher ser minoria quando se tem mais líderes. Na Grow, eu era a única mulher que respondia ao C-Level [cargos hierarquicamente mais altos de uma companhia, como o CEO]. Passei por momentos em que tive de ser muito mais firme, impositiva e dura que o natural, por estar num ambiente em que estava sendo colocada sob pressão num outro nível. Eu sentia que meu stress físico e emocional era muito pela carga da postura que eu tinha de sustentar em uma reunião com meus pares, que eram homens.”

Desligar as pessoas deve ser a última opção

A diversidade – que vai muito além do gênero – deve ser incentivada. A mulher tem um outro olhar para a liderança, um outro cuidado na forma: o “como” tende a ser diferente.

Nesse período de crise, o trabalho remoto deve ser repensado – e dá pra fazer muita coisa antes de desligar as pessoas ou um time, desde rever contratos com fornecedores a digitalizar o que for possível.

Carla também fala sobre excessos e como as pessoas erram ao enxergar a sensibilidade como fraqueza: “ter sensibilidade não quer dizer que não tenho uma visão de business, não quer dizer que eu não olho o resultado, não quer dizer que eu não tenha preocupação com o crescimento na empresa, acho que ao contrário. Acredito que esse é o papel da mulher e que isso vem muito mais da gente.”

“Por isso eu até acho que nesse momento os países com mulheres na liderança estão fazendo um ótimo trabalho, pois conseguem ter um bom equilíbrio entre o lado sensível, da empatia, de se colocar no lugar do outro, mas ao mesmo tempo pensando em resultados, em números, em estratégias.”

Renata Betti complementa

Equilíbrio é a chave

Persio observa que um equilíbrio maior entre vários aspectos diferentes, uma percepção que melhor combina uma visão do negócio com a visão das pessoas, enfim, uma olhar do todo mais apurado, costuma ser mais comum em líderes mulheres.

Mas quando falamos de características de líderes de uma forma geral, algumas serão especialmente importantes para que se alcance o sucesso, como:

  1. Saber falar e saber ouvir
  2. Perceber as pessoas e também conseguir se colocar com firmeza no momento correto
  3. Planejar e ser flexível
  4. Se envolver no detalhe mas também numa visão do todo

São vários os fatores que vão fazer parte de uma performance bem-sucedida como líder, o que cada um de nós precisa fazer é identificar onde naturalmente nos saímos bem para usar isso ao nosso favor e onde estão os ajustes que podemos fazer para não sermos prejudicados no nosso dia a dia na liderança, reforça o especialista.

Acho que equilíbrio é a palavra que todos nós precisamos encontrar. Claro que há horas em que temos mais medo, e horas em que temos mais esperança, mas quem é capaz de se equilibrar no meio disso conseguirá de fato passar por essa fase da melhor forma possível.

Vamos tentar todos manter um equilíbrio e encontrar formas, cada um a seu modo, de não ir muito a nenhum extremo.

…E como o Dr. Daniel disse em sua saída, mais cedo por conta de seu trabalho: “todos aqui gostamos de gente, só de perspectivas diferentes“. E mesmo assim, com muitas similaridades!